quarta-feira, 4 de março de 2009

Sucateamento da USP

O bom de escrever em um blog é poder desabafar sobre qualquer coisa que esteja incomodando. Este é o primeiro de uma série de posts em que pretendo meter o pau em algumas dessas coisas. Começo pela USP, onde estudei na graduação e na pós.
Todo mundo que cursa USP sabe de duas coisas: de um lado, a universidade tem uma bela reputação (inclusive no exterior); de outro, a realidade é bem diferente, em termos de qualidade. Até aí, nada de surpreendente, quando se tem em conta que o orçamento é insuficiente para manter toda aquela estrutura. O problema é que, em alguns casos, a coisa fica ainda mais feia.
A pós-graduação em direito é um exemplo claro. Nenhuma novidade no fato de os professores mais "famosos" raramente aparecerem para dar aula - isso já acontecia na graduação. Mas eu ainda não conhecia a prática de os orientadores desaparecerem do mapa. Não foi o meu caso, mas alguns colegas meus simplesmente perderam contato com seus orientadores logo após iniciarem o curso. Não por falta de correrem atrás, mas porque os mestres, advogados/juízes/"otoridades" em geral, estava sempre atarefados demais para atendê-los. Ótimo. Resta então fazer a tese sozinho. Mas o "vire-se" está apenas começando: é "vire-se" para comprar os livros, "vire-se" para tirar xerox. A USP tem convênios com sites estrangeiros contendo periódicos na íntegra. Mas ninguém divulga isso direito, ninguém sabe, ninguém entende. Existe um tal de VPN que até hoje eu não aprendi direito a usar.
Outro obstáculo: quem não for pelo menos de classe média-alta não consegue fazer pós na USP, mesmo a universidade sendo gratuita, e mesmo havendo programas de bolsa. Primeiro porque o pedido de bolsa demora meses para ser apreciado - e nada garante que será acolhido. Segundo porque até lá a USP não espera: o aluno que não compra os livros importados, que não tira pilhas de xerox, que não tem notebook e que não faz curso de línguas acaba ficando para trás. Sem contar que de vez em quando aparecem taxas, desde a da prova de línguas para ingresso na pós até a do depósito da dissertação, uma mais salgada que a outra. Ah, mas sejamos justos: ao menos a São Francisco disponibiliza uma grande biblioteca e uma sala de informática. Pena que o acervo esteja quase todo desatualizado, e que a sala de informática esteja sempre lotada. Aliás, no meu caso ela passou a maior parte do tempo fechada para reforma. E o pior é na hora de imprimir: limite de 30 páginas. POR MÊS. Para quem escreve uma tese mediana, de 150 a 200 páginas, torna-se tarefa extremamente ingrata passar 6 meses indo à sala de informática para imprimir 30 páginas por vez. Isso, é claro, na remota hipótese de, nesses 6 meses, o mestrando ou doutorando não fazer nenhuma modificação na tese - senão teria que imprimir tudo de novo. Tem como piorar? Tem. A Comissão de Pós da USP exige - só Deus sabe por que - nada menos que 10 (sim, dez) cópias da dissertação de mestrado para depósito. Todas encadernadas com capa dura. Caro leitor - se é que existirá algum -, experimente fazer orçamento de impressão e encadernação em capa dura de 10 cópias de um trabalho de 200 páginas. Levando-se em conta que no mais das vezes a pessoa procura gráficas naquela correria de fim de prazo, sem tempo para pesquisar muitos preços, a brincadeira acaba saindo por mais de R$ 500,00 - isso se o nobre autor dispensar o "luxo" de imprimir em papel com gramatura um pouco mais espessa que a convencional, como se costuma fazer em teses. Ouvi dizer que a Unicamp disponibiliza uma gráfica para imprimir e encadernar as teses dos alunos, a preço de custo. Na São Franscisco, ao contrário, os preços praticados pela xerox que funciona dentro do prédio são superiores à média da região - como se cobrassem pela "conveniência" de estar lá dentro. Com tudo isso, a conclusão é que, mais que um mestre ou doutor, o estudante que passa pela pós da USP é quase um sobrevivente.
E enquanto a USP se vangloria de ser reconhecida como a melhor universidade do Brasil, com a maior produção científica e etc., a realidade mostra que mesmo as piores faculdades dos EUA e da Europa tratam seus alunos com mais respeito. O problema é: num país em que o dinheiro não tem chegado para cobrir os gastos com o ensino fundamental (que, como o próprio nome diz, é prioritário), o que fazer para reestruturar um elefante de nível superior como a USP? Talvez seja possível começar resolvendo alguns problemas que eu apontei aqui e que não dependem necessariamente de investimentos, mas de organização e bom senso. Seja como for, essas questões precisam urgentemente integrar a pauta do dia.

2 comentários:

C.G. disse...

hehe, só dando um pequeno testemunho da diferença de realidades, na Universidade do Québec, uma tese de mestrado mediana na área de exatas - de 100 páginas - deve ser impressa em 4 cópias (3 júris mais 1 de segurança), sem necessidade de encapar, ou algo do tipo. Todos os gastos com impressão cobertos pela universidade.

Ramal disse...

Muito bom o texto e um assunto extremamente pertinente. Eu que durante a minha vida devo ter somado, se muito, 100 horas de usp, das quais mais de 80% dentro do cepeusp, não tinha uma exata noção do estado em que se encontra. Claro que não esperava muito, mas as pouquíssimas aulas que vi me surpreenderam positivamente. Isto porque eu fui esperando encontrar um ambiente totalmente inóspito, como dessas escolas públicas que vez ou outra aparecem no jornal, geralmente em notícias trágicas.
Da minha experiência, fica registrada a extrema burocracia inerente à entidade. Gastei uma boa quantia de horas em filas de secretarias - porque apesar de estudar Física, tinha que pedir dispensa de matérias do curso de Física, nas secretarias de matemática, engenharia, etc - para tentar eliminar algumas matérias. Além disso, as exigências de documentos também não eram das menores.
Entretanto hoje, com relação à usp e a todas as outras universidades federais do país, o que mais tem me preocupado é a nova lei que diz respeito às cotas raciais à parcela de estudantes provenientes de escolas públicas, até porque é um dos assuntos da mídia no momento.
Tenho que confessar que não uma posição definitiva sobre o assunto, alternando ora a opinião de que o ensino público privado irá piorar, devido à queda da qualidade de preparação dos ingressantes, ora a opinião de que isto de fato poderá diminuir a diferença social. Mas isto é assunto para outros posts.
Ramal!